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sábado, 23 de maio de 2015

O ISLAMISMO E O OCIDENTE

Alderi Souza de Matos

Nos últimos anos, uma série de acontecimentos dramáticos tem chamado a atenção de todos para as enormes tensões existentes entre o mundo muçulmano e o Ocidente cristão. A ressurgência do fundamentalismo islâmico, a intensificação do terrorismo, os conflitos entre Israel e os palestinos e a invasão norte-americana do Iraque transformaram a interação desses dois mundos em um dos temas mais candentes do nosso tempo. Ao que parece, essa interação terá vastas conseqüências para a humanidade ao longo do século 21. Para se entender melhor a complexidade dos eventos atuais é preciso conhecer um pouco da história.

Quando o islamismo surgiu na primeira metade do século sétimo da era cristã (ano 622), o cristianismo já era uma religião consolidada e estava a caminho de criar a grande civilização européia conhecida como “cristandade”. O antigo Império Romano Ocidental havia desaparecido e dentro de um século e meio haveria de surgir o Sacro Império Romano Germânico, sob a liderança do imperador dos francos, Carlos Magno (reinou de 771 a 814).

O islamismo foi fruto da genialidade de um notável líder religioso, Maomé (Muhammad, 570-632), que transformou os povos árabes, até então inexpressivos e desunidos, em uma poderosa força no contexto internacional. Inspirados pela nova fé, em poucas décadas os muçulmanos conquistaram todo o Oriente Médio, a Mesopotâmia e o norte da África, bem como passaram a ameaçar a Europa cristã tanto no Oriente (Ásia Menor) quanto no Ocidente (Península Ibérica).

É importante lembrar que o islamismo foi, desde o início, uma religião conscientemente rival do cristianismo e do judaísmo, ainda que se considerasse herdeira dessas duas tradições religiosas. Além disso, enquanto os cristãos por vários séculos expandiram a sua fé por meio pacíficos, os muçulmanos o fizeram, desde o início, também pela força, isto é, mediante a conquista militar. É verdade que eles geralmente se mostravam tolerantes com as populações cristãs conquistadas, mas estas eram relegadas a um status inferior e sofriam toda uma série de limitações religiosas, sociais e econômicas.

A cristandade sofreu por cerca de quatro ou cinco séculos contínuas incursões islâmicas em seus territórios. Foi somente depois do ano 1000 que surgiu uma reação ampla e organizada – na Península Ibérica, a chamada Reconquista, e no Oriente Médio, as Cruzadas (1095-1291). Estas últimas, que visavam libertar os locais sagrados do cristianismo, na Palestina, foram especialmente significativas por causa de seus objetivos, motivações e amplas conseqüências.

Do ponto de vista político e militar, as Cruzadas foram um fracasso, mas intensificaram o intercâmbio cultural e econômico entre o Oriente e o Ocidente. Ao longo da Idade Média, os muçulmanos criaram florescentes civilizações em regiões como o Iraque, a Síria, o Egito e a Espanha, dando notáveis contribuições ao Ocidente nas áreas da filosofia, da literatura e da ciência. Ao mesmo tempo, as violências perpetradas pelos cruzados produziram marcas profundas na consciência islâmica e se tornaram um fator perene de ressentimento e amargura em relação ao cristianismo e ao Ocidente. Outra conseqüência adversa foi o maior distanciamento entre a cristandade ocidental (católica romana) e a cristandade oriental (ortodoxa grega).

Após as cruzadas, surgiu uma poderosa força muçulmana na Ásia Menor – o Império Otomano (1300-1924), que por vários séculos atacou continuamente a Europa cristã, conquistando boa parte dos Bálcãs. Em 1683, os turcos foram derrotados durante o segundo cerco de Viena, em sua última tentativa de invadir a Europa central. O mundo islâmico estava entrando em um longo período de declínio, tornando-se uma sombra do que havia sido em séculos anteriores, e cessaram por longo tempo os seus conflitos com o Ocidente cristão.

No início do século 20, o fim do império turco, a partilha dos territórios árabes entre vários países europeus (colonialismo), a criação do Estado de Israel e a descoberta de petróleo no Oriente Médio deram nova visibilidade à região e produziram renovados conflitos com o Ocidente. O descumprimento de promessas no que diz respeito à independência dos países árabes, à criação de Israel e à preservação dos direitos dos palestinos gerou forte sentimento anti-europeu e anti-americano naquela região.

O sentimento de trauma e frustração do mundo muçulmano, em virtude de se considerar injustiçado pelo Ocidente, aliado à ameaça de secularização, ocidentalização e dissolução dos valores tradicionais, alimentou uma corrente intolerante e agressiva dentro do islamismo, que resultou no fundamentalismo militante das últimas décadas. A partir dos anos 50, essa reação conservadora produziu resistência política, revolução e finalmente o horrendo flagelo do terrorismo.

Para a restauração da confiança entre as duas comunidades, o mundo ocidental precisa reconhecer e sanar os seus erros: sua arrogância e prepotência, suas ações imperialistas (políticas e culturais), sua falta de simpatia e sensibilidade acerca de questões essenciais como a causa palestina. Por outro lado, as nações islâmicas não estão isentas de falhas: ausência de instituições democráticas, desrespeito aos direitos humanos, intolerância contra minorias religiosas (em contraste com a plena liberdade que os muçulmanos usufruem no Ocidente).

Em especial, os cristãos necessitam arrepender-se e pedir perdão por promoverem ou apoiarem injustiças passadas e presentes, assim como os muçulmanos devem reconsiderar alguns aspectos do conceito de jihad (guerra santa), a incitação à violência nas mesquitas, o radicalismo em nome de Alá, “clemente e misericordioso”. Enfim, é necessária a ação dos governos, dos organismos internacionais, dos grupos religiosos e de todas as pessoas de boa-vontade para que sejam curadas as feridas antigas e recentes e se renove a harmonia nas relações entre os muçulmanos e o Ocidente, o que trará benefícios extraordinários para todo o mundo.

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